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Solo supressivo: Conheça o conceito que pode fazer a diferença na produtividade da lavoura

Quando o assunto é saúde humana nunca se falou tanto em sistema imunológico, defesas que o organismo já possui e que também podem ser estimuladas para combater doenças. E quando o tema é a saúde do solo e das plantas a realidade é muito parecida. No solo estão presentes microrganismos capazes de reagir quando entram em contato com patógenos. A reação pode ser genérica ou então específica, quando um problema se repete ao longo dos anos em uma mesma área por exemplo, fazendo com o que o chamado microbioma do solo ative uma espécie de memória, interagindo com as plantas e fortalecendo suas defesas. Mas como atingir este nível de excelência? Basta ler este post até o fim e você vai entender que não é tão complicado quanto parece.

Supressividade do solo

Este conceito vem sendo estudado desde a década de 1970, mas começou a ficar cada vez mais evidente, com dados fundamentados, à medida que a ciência avança nos estudos sobre controle biológico e também por meio do sequenciamento genético.
O pesquisador brasileiro Luciano Kayser é um dos autores de um artigo sobre supressividade do solo que foi publicado no periódico internacional Soil Biology and Biochemistry.
"Nós estudamos a capacidade do solo em evitar a incidência de determinadas doenças e mostramos como um mesmo solo, com diferentes preparos e plantios, se comporta em relação a determinados patógenos”, explicou Kayser. Segundo ele, há dois tipos de supressividade do solo, uma delas é específica, resultado da ação de alguns organismos particulares, contra uma determinada doença. Mas também existe uma supressividade mais geral ou ampla, que age contra uma gama maior de patógenos.
"Um solo vivo, com atividade microbiana maior, tende a ter maior capacidade de reagir à ação de patógenos”, afirmou.
Luciano Kayser define como fator fundamental para atingir este solo de qualidade, mais vivo, a presença da matéria orgânica, que influencia diretamente em questões como a fertilidade do solo, já que é de lá que vem parte dos nutrientes como o nitrogênio. A matéria orgânica atua na formação de agregados que geram macroporos, que vão garantir maior drenagem e maior armazenamento de água no solo. O pesquisador da antiga Fepagro (Federação de Pesquisa Agropecuária), do Rio Grande do Sul, hoje faz parte de um departamento ligado à Secretaria Estadual de Agricultura.
“Todos estão vendo a perda enorme que vem sendo registrada na safra de soja do Rio Grande do Sul em função do forte calor e dos longos períodos de estiagem. Temos certeza que as lavouras que conseguiram garantir minimamente as produtividades em níveis razoáveis, apesar do problema climático, são aquelas que construíram solos saudáveis ao longo do tempo, com grande presença desta chamada supressividade, pela ação do microbioma", detacou Kayser.

Interação com as plantas

Alguns pesquisadores preferem usar a expressão ambientes supressivos e não apenas supressividade do solo. Na prática, é uma forma diferente de explicar uma mesma interação benéfica entre as plantas e os microrganismos do solo.
"As culturas tem ácidos orgânicos inerentes de cada espécie, e estes são na verdade
alimentos para a microbiota do solo, cada planta tem um acido orgânico específico, que pode selecionar um certo grupo de microrganismos em detrimento de outros" explica o pesquisador Tarcísio Cobucci. Ao plantar uma cultura sempre na mesma área, vai havendo uma seleção desta microbiota, que pode ser patogênica ou não.
Por isso, Cobucci ressalta que para evitar este eventual efeito negativo, é fundamental fazer a rotação de culturas, que impõe ao solo vários ácidos orgânicos que vão alimentar a diversidade. "Quanto maior a diversidade do solo, mais supressivo a doenças do solo, para compor um solo supressivo você vai ter que ter uma grande diversidade de microorganismos ali dentro, e quantidade também", acrescenta.

Custo x benefício

O artigo publicado pelos pesquisadores gaúchos também destaca o papel da rotação de culturas, com maior ênfase ao uso de plantas de cobertura durante o inverno, por exemplo, garantindo um aporte de resíduos vegetais no solo.
"O ideal é ter um constante semear e colher, com bastante palhada", descreve Kayser.
O pesquisador menciona resultados observados nos estudos feitos a campo. Ao avaliar a a chamada fusariose no trigo, verificou-se que nas áreas com plantio direto, maior diversidade e portanto elevada supressividade, houve uma redução de 60% na incidência da doença, enquanto nas áreas de plantio convencional esta diminuição ficou em 40%. Em solos que combinaram culturas como aveia, ervilhaca, milho, entre outras, chegou-se a reduzir a ocorrência de determinadas doenças em 80%.
"É um investimento de longo prazo, possivelmente os primeiros resultados comecem a ser observados após 5 anos, mas acaba valendo a pena, porque haverá ganho de produtividade na cultura principal, como no caso da soja, já que estes cultivos de cobertura não oferecem valor comercial tão elevado", explica.

Como potencializar a diversidade

Além de práticas conservacionistas, cada vez mais o produtor conta com soluções de produtos biológicos capazes de favorecer este processo.
“É possível aplicar microorganismos benéficos diretamente no solo, já estão disponíveis no mercado algumas espécies e cepas de bactérias e fungos, por exemplo, que são aplicadas no solo para aumentar a diversidade e assim reforçam estas características de defesa das plantas”, explicou o pesquisador Tarcísio Cobucci.
Os especialistas alertam, no entanto, que é necessário ter orientação especializada e utilizar produtos testados e aprovados cientificamente. A prática do controle biológico "on farm”, em que produtores rurais manipulam microrganismos diretamente ainda deve ser adotada com cautela, já que existe o risco de competição com outros nutrientes que já estão no solo e, neste caso, o resultado não seria satisfatório.